domingo, 4 de abril de 2010

A midia do carnaval e a cultura negra

O carnaval acabou e foram tantas imagens, batuques e gingados a colorir as telas da televisão, a balançar as estações de rádio e enfeitar as páginas de jornais e revistas que, no meio de mais uma folia, o Brasil parecia ter uma sociedade ideal para se viver. Olha a mídia aí gente, despertando da apatia e abrindo seu valioso espaço para o gingado da negritude.

Ao me deparar com esse assédio na euforia carnavalesca, lembro-me que a mais recente pesquisa sobre o comportamento da grande imprensa brasileira diante de assuntos de interesse da população negra mostra uma realidade com um ritmo muito mais lento. A composição parece ter uma nota só, quando revela que no processo de políticas reparadoras a mídia do País, com raras exceções, está longe de ser uma boa parceira.

A prova mais recente está no resultado de uma pesquisa, realizada em São Paulo pelo
Observatório Brasileiro de Mídia, para o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, o Ceert. Os dados, divulgados no ano passado, mostram que na última década a grande imprensa teve comportamento indiferente diante de assuntos relevantes para a população negra, mostrando que neste universo paira o inconsciente eurocêntrico, que fundamentou as relações raciais no Brasil. As publicações analisadas foram Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo e as Revistas Veja, Época e Istoé, portanto uma amostra bem significativa.

Vale dizer, que entre 2001 e 2008, enquanto organizações da sociedade civil se ocupavam em discutir e dar visibilidade às agendas da promoção da igualdade racial e das políticas de ações afirmativas, observou-se que em quase duas mil matérias publicadas, incluindo reportagens, editoriais e artigos, a maioria trazia posicionamentos contrários a pautas com questões raciais. As principais abordagens foram sobre sistema de cotas nas universidades, estatuto da igualdade racial, ações afirmativas e demarcação de terras quilombolas, entre outras.

A política de cotas ocupou boa parte dos noticiários, onde se procurava afirmar que ela promoveria racismo ou provocaria queda no nível dos cursos. Mesmo não tendo confirmação oficial das instituições sobre este argumento, os veículos que mais mostraram posição contrária, não alteraram o discurso. Faltou tratamento igual também na divulgação das pesquisas de diversas instituições (IBGE, IPEA, Sead, Unesco e Ibope...), onde os números mostram o avanço das políticas de ações afirmativas, o que inclui o sistema de cotas nas universidades.

Os noticiários também excluíram praticamente a abordagem sobre a Lei 10.639/03, que obriga as escolas de todo o Brasil a incluir o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira. A partir 2003, o assunto ganhou apenas menções de forma periférica, sem que os veículos tenham problematizado a questão ou buscado dar visibilidade à sua aplicação. Hoje, após sete anos, a implementação desta lei ainda amarga o desinteresse não só da mídia, que poderia impulsionar a divulgação da mesma, como de boa parte de professores e instituições em geral. Não fosse a adoção de políticas públicas de ações afirmativas, com forte participação do Movimento Negro, esta lei não sairia do papel. Como aceitar que num total de 2.186 matérias avaliadas, a lei tenha sido citada em apenas 0,5% dos noticiários pesquisados?

Se o assunto fosse cultura negra o quadro não se alteraria. Embora a pesquisa citada, não tenha se ocupado deste assunto, o universo da arte, da música, da dança, da religião e da literatura também segue no mesmo compasso. Elas sempre permeiam em citações salpicadas, reduzidas e ganham algum destaque em datas pontuais como no Dia da Consciência Negra (com duras críticas ao Feriado de 20 de Novembro), Dia 13 de Maio ou em eventos onde figuram personalidades do mundo da música ou da televisão. Isto sempre sem aprofundamento político ou reflexivo sobre os acontecimentos. No caso de referência aos artistas negras e negros, não é raro as entrevistas deixarem de abordar as questões raciais.

Sendo assim, nesta indisposição da imprensa em abordar as ações que verdadeiramente ajudem o País a avançar no combate à desigualdade racial, é interessante observar, para a imprensa alguns assuntos só são aceitáveis se reforçar a idéia do negro exótico, "folclórico" e caricato.

Para muitos, nada estranho que no país da impunidade, do futebol e do carnaval, passados alguns dias da folia de momo, a vida da passista e o gingado do sambista, não sejam mais capa de jornal. Aliás, a mulata da televisão entrou em férias e o carnaval só volta no ano que vem. Aviso às redações: a cultura negra não é quesito e continua!


Claudia Alexandre – Assessora de Imprensa do Museu Afro Brasil. É jornalista, radialista, professora da área de eventos; Membro da Cojira (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de São Paulo) e da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros) . Artigo publicado na REVISTA AFRO B (PONTÃO DE CULTURA - maio 2010)

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