sábado, 13 de janeiro de 2024

Livro Exu-Mulher e o Matriarcado de Claudia Alexandre aborda sobre masculinização e demonização de Exu

O novo livro da jornalista Claudia Alexandre, Exu-Mulher e o Matriarcado Nagô: sobre masculinização, demonização e tensões de gênero na formação dos candomblés (Editora Aruanda/Fundamentos de Axé, 2023), insere um debate inédito no campo dos estudos sobre as tradições e religiosidades afro-brasileiras em relação ao que foi escrito até aqui sobre o controverso orixá Exu. Ao mesmo tempo insere registros e informações sobre as experiências de mulheres negras – africanas, escravizadas, alforriadas, libertas, que resistiram as opressões patriarcais para manter suas práticas ancestrais, apesar das violências do sistema escravista e no pós-abolição. Uma das alterações está na relação com o orixá Exu, que na iorubalândia tem representações femininas, que foram silenciadas nos primeiros terreiros no Brasil. Exu-Mulher e o Matriarcado Nagô tem prefácio assinado pela professora e ativista Dra. Núbia Regina Nogueira e é baseada na tese de doutorado, defendida em novembro de 2021, eleita a Melhor Tese do Ano, pelo Programa de Ciência da Religião da PUC-SP. Foi finalista e segunda colocada do Prêmio SOTER/Paulinas de Teses (Prêmio Prof. Afonso Maria Ligório Soares) edição 2022, do Congresso Internacional da Soter (Sociedade de Teologia e Ciência da Religião). Mesmo ano em que lançou o livro-dissertação “Orixás no Terreiro Sagrado do Samba: Exu e Ogum no Candomblé da Vai-Vai”, também pela Editora Aruanda/Fundamentos de Axé. O racismo religioso como uma das opressões sociais ganha centralidade com a figura de Exu e reivindica o lado feminino do orixá, algo ainda pouco explorado na literatura sobre a formação dos candomblés de tradição yorubá-nagô, cujos terreiros que cultuam Exu-Legba-Elegbara se autodenominam de nações ketu, jejê ou nagô. Em algumas localidades da África Ocidental são bem conhecidas as representações de Exu como um orixá ambíguo, que pode se apresentar como feminino e masculino, bem diferente da forma como foi introduzido nos terreiros do Brasil.
A PESQUISA - Na capital Salvador a autora percorreu os três terreiros fundantes, que ainda mantém o sistema matriarcal: Casa Branca do Engenho Vellho, Ilê Opó Afonjá e Terreiro do Gantois. O resultado foi a constatação de que, apesar da liderança das mulheres, houve tensões na relação com o orixá Exu, o que exigiu dissimulações e negociações por parte das poderosas iyalorixás,, em relação à dominação da Igreja Católica. A masculinização e a demonização foram as principais transformações que Exu sofreu na travessia atlântica. Uma busca motivada por registros de que em África, região da iorubalândia, alguns grupos realizam práticas rituais específicas onde figuras de Exu – masculina e feminina - evidenciam as diferenças anatômicas do par: ele com seu falo desproporcional, apito e gorro, e ela com seios e vulva demarcados e à mostra, jóias e, às vezes, acompanhada de outra figura que remete a uma criança. As imagens apresentam penteados alongados, uma marca da identidade do orixá. Em alguns lugares Exu é cultuado por famílias inteiras e por mulheres, onde está associado não apenas à fertilidade, como à fecundidade e à maternidade. Existem cultos exclusivos a essa divindade, onde se encontram representações femininas, nas regiões yorubá de Egbado, Igbomina, Ibraba, Olobo e Oshogbo. A autora debate sobre questões da hieraquia de gênero e as mulheres de terreiros, apontando como religiões de matrizes africanas foram atravessadas pela matriz de dominação patriarcal. Para as primeiras lideranças o Exu demonizado se transformou em um elemento demonizante. O destaque dado ao falo na representação da divindade na diáspora negra, como símbolo de sua masculinidade, teria excluído completamente os traços de feminilidade. Na cosmogonia iorubá Olodumaré, o Deus supremo teria lhe constituído com os princípios masculino e feminino, dando-lhe controle sobre eles, um poder que não foi concedido a nenhuma outra divindade. Exu é dono do movimento, que mantém o equilíbrio vital e distribui em partes iguais o essencial aos seres viventes, para que haja fertilidade e vida constante dos seus cultuadores. Ao analisar a definição do papel da mulher como autoridade máxima nos terreiros de candomblé, bem como o trato com Exu e sua masculinidade demonizada, principalmente entre os séculos XIX-XX, a autora destaca uma série de aproximações e rejeições dentro da própria comunidade de axé. "Sabe-se que no início havia resistência, por parte de antigas lideranças, em iniciar “filhos” e “filhas” deste orixá, ocorrendo muitos casos de troca pelo orixá Ogum, o grande guerreiro dos metais. As justificativas para tal barganha acabavam por reforçar o imaginário demoníaco imposto à divindade. Esses constrangimentos podem ter levado ao ocultamento e o silenciamento sobre qualquer assunto referente a existência do feminino de Exu", disse Claudia. Chama atenção o fato de a figura feminina de Exu, além de não ter sido introduzida nas representações do orixá nos candomblés nagôs no Brasil, ser desconhecida em algumas casas de culto e um assunto mantido em silêncio nos terreiros mais tradicionais. No livro estão disponíveis imagens e representações da figura feminina de Exu, evidenciando que a diáspora negra ainda mantém muitos fragmentos de violências que alteraram a relação do povo negro com seus sistemas de crenças e com a cosmologia africana. FICHA TÉCNICA - Título: Exu-Mulher e o Matriarcado Nagô: sobre masculinização, demonização e tensões de gênero na formação dos candomblés Editora: Editora Aruanda/Selo Fundamentos de Axé - RJ Ano: 2023 Autora: Claudia Alexandre (Instagram: @claualex16) Prefácio: Nubia Regina Nogueira Coordenação Editoral: Aline Martins Capa: Amanara Páginas: 464 ISBN: 978-65-97708-19-5 Contato/vendas: www.editoraaruanda.com.br